ESPECIAL | TUBARÃO (1975)
- Paulo Ricardo Cabreira Sobrinho
- 20 de jun.
- 8 min de leitura

O ano era 1975 quando "Tubarão", dirigido por Steven Spielberg e baseado na obra de Peter Benchley – que também escreveu o roteiro -, fazia sua estreia nos cinemas. Hollywood já tinha mais de meio século de existência, e muitas mudanças aconteceram durante esse período, mudanças essas que ditaram os rumos do cinema. Mas "Jaws", no original, foi responsável por uma das principais mudanças que ditou os rumos do cinema: o surgimento dos blockbusters de verão. Desde então, os principais filmes que prometiam ser campeões de bilheterias estreavam no verão americano, entre Maio e Julho, época de férias nos EUA, e que ainda contavam com um intenso trabalho de marketing para distribuir e promover o filme, algo que nunca tinha sido feito no cinema: cerca de US$ 2 milhões de dólares foram gastos em publicidade para promover o filme, desde anúncios na TV, e produtos para merchandising.
"Tubarão" estreou em 20 de junho de 1975 – no Brasil, estreou somente em 25 de dezembro do mesmo ano -, levando uma multidão aos cinemas e resultando em uma arrecadação de mais de US$ 477,9 milhões de dólares (foi o filme de maior bilheteria da história até a estreia de Star Wars – Uma Nova Esperança, em 1977). Além disso, foi o primeiro filme a arrecadar mais de US$ 100 milhões de dólares nos Estados Unidos, até então, e também – de certa forma -, assustou bastante gente na época que muitos ficaram com medo de entrar na água.
O roteiro de "Tubarão" é bem simples, direto, e mostra a negligência dos governos em uma situação de ameaça – no caso aqui, um tubarão -. É o feriado da independência dos EUA – o 4 de Julho -, e o pacato balneário de Amity espera milhares de turistas para aproveitar as águas mornas e as belas paisagens da ilha, quando uma mulher é atacada e morta misteriosamente na água. A primeira análise sugere que foi um ataque de tubarão. Então, o chefe da polícia, Martin Brody (Roy Scheider) decide fechar as praias para evitar mais mortes, porém, o prefeito Larry (Murray Hamilton) não aceita, liberando a praia dos turistas. Mais tarde, o oceanógrafo Hooper (Richard Dreyfuss) chega na ilha para averiguar os acidentes, chegando à conclusão de que a jovem foi morta por um grande tubarão-branco. Quando novos ataques começam a aparecer, eles contratam o experiente pescador local Quint (Robert Shaw) para caçar e matar o tubarão.

"Tubarão" era apenas o segundo longa-metragem de Steven Spielberg para o cinema, e foi responsável por elevar o status do diretor em Hollywood. E não é por nada, já que o diretor criou uma obra prima do suspense e terror que serviu, e ainda serve, como inspiração para filmes de “animais assassinos”, como Piranha, Orca – A Baleia Assassina, Sharknado, Do Fundo do Mar, Pânico no Lago, e outros filmes com tubarões. "Tubarão" mostra que quanto menos vemos a ameaça, mais assustador fica, e Spielberg consegue trabalhar na tensão e no suspense o tempo todo, já que o tubarão aparece por completo somente mais para o final do filme. A câmera em primeira pessoa na visão do tubarão chegando nas pessoas, a barbatana do animal sobre a água, alguns takes rápidos mostrando o tamanho da ameaça, Spielberg usa muito a técnica que Alfred Hitchcock usava em seus filmes, sem mostrar a criatura por completo. E o interessante é que essa técnica não era a ideia original que o diretor queria para seu filme, mas por conta dos problemas técnicos com os tubarões mecânicos, a produção acabou utilizando a prática da sugestão. E o resultado acabou ficando melhor do que o previsto: muito mais suspense, mistério, tensão, o espectador ficava curioso para ver o real tamanho do tubarão, mantendo a atenção até o final, quando finalmente o público veria o tamanho da ameaça.
O filme acaba sendo dividido em duas partes bem distintas. A primeira mostra o ataque do tubarão nas águas de Amity – a mais interessante -, mostrando a ganância do prefeito da cidade em manter as praias abertas para ganhar dinheiro, alegando que é o feriado de maior movimento para a cidade. E infelizmente pior acontece, claro. A cena da primeira vítima do tubarão, a jovem que nada sem roupa na praia à noite, é um primor técnico que é usado até hoje, e a sequência fica ainda mais perfeita com a trilha sonora de John Williams, parceiro de Steven Spielberg durante décadas. Os gritos desesperados e agoniantes da personagem, ela sendo arrastada para todos os lados, sem sangue, vísceras, nada – de novo a ideia da sugestão -. O segundo ataque também choca, tanto pelo impacto da visão que temos ao ver o tubarão atacando a vítima, quanto por ser a morte de uma criança. E é aí que entra em cena a mãe do garoto morto, a sra. Kintner (Lee Fierro), com o famoso tapa na cara de Martin e o seu monólogo colocando a culpa nele. E o fato de o prefeito Larry pensar somente no dinheiro, deixa o espectador ainda mais agoniado pela situação toda. É nessa parte que conhecemos dois personagens importantes para a trama: o xerife da polícia Martin Brody (Roy Scheider), e o biólogo marinho/oceanógrafo Hooper (Richard Dreyfuss).

A segunda parte mostra a intensa caçada de Brody, Hooper e Quint (Robert Shaw) contra o tubarão branco em mar aberto. Aqui, a tensão é constante, o trio tenta de todas as formas encontrar um jeito para matá-lo, mas o animal se mostra mais inteligente. Spielberg continua “escondendo” o tubarão até um certo momento, quando ele surge na superfície para Brody, e só então que o espectador tem certeza do tamanho real da ameaça. Uma curiosidade: nessa sequência, quando o tubarão surge na superfície, Roy Scheider solta uma frase que não estava no roteiro, “vamos precisar de um barco maior”. A dinâmica de Brody, Hooper e Quint é divertida, uma hora estão brigando, e na outra já estão rindo de toda as dificuldades que estão passando. Uma sequência bem marcante é a conversa antes do nascer do sol, onde Quint e Hooper compartilham suas experiências com suas cicatrizes, incluindo um monólogo bem interessante de Quint sobre a sua participação na Segunda Guerra Mundial. Outra curiosidade: esse monologo não estava no livro e nem originalmente no roteiro, mas foi adicionado para que Quint tivesse um “drama pessoal” para dar mais profundidade ao personagem. Esse momento antecede o desfecho final do filme, o destino dos personagens, e do tubarão, em uma sequência repleta de tensão e um impacto visceral com muito sangue que impressiona até hoje. Mais uma curiosidade: o final do filme é diferente da obra de Bencley: no livro, o tubarão iria morrer aos poucos após ser ferido, mas Spielberg achou que não seria chocante, ou cinematográfico, então a criatura acabou morrendo na explosão. Peter Bencley não gostou dessa mudança.
O roteiro de Peter Bencley e Carl Gottlieb se destaca na construção dos personagens, cada um com sua particularidade e seus medos, e a química entre os protagonistas é o principal fator para que a segunda parte de Tubarão funcione. Martin Brody (Roy Scheider) é um policial de Nova York, é o seu primeiro verão como xerife de Amity, se mudou para o balneário junto com sua esposa e seus dois filhos, e ironicamente tem medo de água. E junto com o carisma do personagem e por ele proteger sua família, é o personagem mais fácil de o público se identificar. O veterano Charlton Heston (dos clássicos Planeta dos Macacos, Bem-Hur, e Os Dez Mandamentos) se mostrou interessado em interpretar o xerife Brody, mas Spielberg achou que a fama do ator iria “atrapalhar” e ofuscar os outros personagens, principalmente a maior estrela do filme, o tubarão-branco. Robert Duvall e Gene Hackman foram cotados para o papel, mas o diretor acabou escolhendo Scheider após assistir o ator em “Operação França (1971). Richard Dreyfuss interpreta o oceanógrafo e biólogo Hooper, o nome mais experiente em tubarões, e seu personagem é o “alívio cômico”, trazendo mais humor e leveza para o trio de protagonistas, e a sua fraqueza é por ele ter medo do tubarão, sendo que ele é um renomado “expert” em estudar tubarões. Dreyfuss havia recusado interpretar o personagem, mas após achar que sua carreira seria destruída após o seu último filme, o ator pediu uma nova chance para Spielberg. Uma curiosidade: na obra de Peter Bencley, Hooper teria um caso com a esposa de Brody e morreria na cena em que o seu personagem usa a jaula embaixo d’água. Spielberg não gostou. Já o enigmático Quint foi interpretado pelo veterano Robert Shaw, que trouxe mais intensidade e insanidade ao personagem, além de uma louca obsessão para matar o tubarão. Não ironicamente, o personagem foi inspirado no capitão Ahab (Gregory Peck) do filme, e também obra, Moby Dick. Lee Marvin e Robert Mitchum foram as primeiras escolhas para interpretar o personagem.

As filmagens do filme foram bem conturbadas, com problemas que iam desde a construção do tubarão mecânico até conflitos entre alguns atores no set de filmagens. O cronograma das filmagens estava previsto para durar 65 dias, mas acabou chegando a quase 160 dias, e o orçamento de US$ 4 milhões que a produção teria passou para US$ 9 milhões de dólares. Steven Spielberg recusou em fazer as filmagens em um tanque no estúdio, e o filme acabou sendo rodado em mar aberto. Com isso, a produção passou por diversos problemas com o mal tempo, e problemas com o tubarão mecânico, que apresentou diversas falhas ao colocá-lo na água, chegando a afundar uma vez; até o barco de Quint – o Orca -, afundou. É por isso que Spielberg decidiu “esconder” o tubarão no mar, usando o formato em primeira pessoa, e muitas vezes só víamos pouco do tubarão na água. A criatura só apareceu por completo após 1h20 min de filme. E essa técnica improvisada funcionou tanto que muitos diretores se inspiraram para os seus filmes. A trilha sonora de John Williams teve papel muito importante para “resolver” esse problema do tubarão mecânico: para o público saber que a criatura estava em cena, Wiliams tocava o clássico tema composto para o filme, algumas vezes eram um pouco modificadas. Roy Scheider (Martin Brody), Richard Dreyfuss (Hooper), e Quint (Robert Shaw) tiveram algumas brigas durante as filmagens, principalmente Dreyfuss e Shaw, que também era alcoólatra.

"Tubarão" recebeu vários prêmios e indicações, incluindo Oscar e Globo de Ouro: foi indicado a 4 Oscars – venceu Melhor Trilha Sonora (John Williams), Som e Edição -, além da indicação a Melhor Filme, também foi indicado a 3 Globo de Ouro – mas não venceu nenhum -, 7 Indicações ao Bafta (venceu na categoria Trilha Sonora), e até venceu o Grammy de Melhor Trilha Sonora em Filmes. Nos EUA, a produção faturou US$ 7 milhões no final de semana de estreia, chegando a um recorde de US$ 21 milhões em dez dias, e finalizando com US$ 123 milhões no seu lançamento original. O impacto cinematográfico de "Tubarão" foi tão grande que mudou os rumos do cinema ao longo dos anos, seja como um blockbuster, na forma como os filmes começaram a ser lançados, na cultura popular – incluindo menções e referências em outros filmes -, e até no medo entrar no mar que o público adquiriu após o lançamento filme. E não é por nada: Steven Spielberg entrega um filme repleto de tensão e suspense ao longo de duas horas, com a certeira fórmula de “menos é mais” ao esconder o seu vilão por mais de uma hora, mostrando partes da ameaça, provando que “o que não vemos pode ser mais assustador do que aquilo que podemos ver”. "Tubarão" é um filme perfeito, impecável, bem dirigido, bem roteirizado, com personagens marcantes, e sequências aterrorizantes que são lembradas até hoje. E tudo isso embalado com uma das trilhas sonoras mais marcantes da história do cinema, aquela com apenas duas notas musicais contínuas que vão se intercalando, criadas pelo incrível John Williams, parceiro de Steven Spielberg por cinquenta anos. Um, clássico, uma obra-prima que merece ser vista e revista por todos.

TUBARÃO (JAWS)
Ano: 1975
Direção: Steven Spielberg
Distribuidora: Universal Pictures
Duração: 123 min
Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss, Lorraine Gary e Murray Hamilton.
NOTA: 10
Disponível na
A PRIMEIRA MORTE
CENA DA MORTE DO GAROTINHO KINTNER
CENA DA MORTE DE QUINT


















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